sábado, 6 de julho de 2019

Baal

Um magnífico exemplo da relação entre o sagrado e a natureza e sobrevivência humana está representado pela crença no deus Baal, pelos antigos cananeus. Deus da chuva, Baal habitava um palácio com incontáveis janelas - cada espaço entre as nuvens era uma janela - o que simboliza a grandiosidade e importância de Baal para aqueles povos agricultores para o quais a maior ameaça era um período de seca prolongada.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Anestésico ou estético

O anestésico pode começar a fazer efeito qualquer dia em qualquer momento. O estético precisa de pelo menos um instante fora do tempo.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

A DANÇA

Tudo que o dançarino quer é continuar dançando, o leitor continuar lendo e o amante – porque de jazz não se é ouvinte – continuar fluindo com Stella by starlight funny valentine my favourite things... Mas a dança quer dizer muitas coisas pra quem não é dançarino. Quer dizer que se está sozinho, ou em par, ou em grupo. Que não se sabe dançar, que se marca um território, que se está bêbado, triste, cansado, perdido, apaixonado, desiludido. Que se quer ficar nu ou desaparecer, que se está de terno ou de vestido. Que se quer pular do barco na ilha da liberdade com nada mais que summertime nos ouvidos. A dança quer dizer que você canta the thrill is gone a plenos pulmões, como BB King, ou amassa cada nota como Chet Baker para que elas escorreguem entre as falhas da sua arcada dentária. A dança quer dizer que não se quer dizer nada, não ter que dizer nada. Mas antes disso, nas origens esquecidas, foram as palavras que deixaram a garganta, como crianças deixam os quartos escuros das casas dos seus pais rabugentos, para criar a dança, o grande prêmio da aventura literária. Dançar ao vento.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

DIAS DE MORT CINDER

Domingo, 21 de outubro. Vi Mort Cinder caminhando pela Rambla de Pocitos. Inconfundível sobretudo cinza, cabelos brancos, o rosto desenhado a golpes de navalha. Soube, de imediato, que o acaso me brindara com o privilégio de testemunhar o fim de uma história, pois, como disse o próprio Oesterheld, tudo começa com um objeto muito antigo no antiquário de Ezra Winston. Escravo, guerreiro, presidiário, testemunha, talvez, pensei, dos crimes de Whitechapel, cujo autor ele teria revelado a Eduardo Cuitiño, o matemático uruguaio. Sei que me pareceu um símbolo a figura do imortal cortando a bruma, junto à praia, contra a corrente do rio de mulheres que corria na direção oeste. Há quanto tempo, me interroguei, o homem eterno, estaria perambulando por Montevidéu? Teria degustado o vinho local? Teria comido um assado no Mercado do Porto? Sorri ao imaginá-lo tirando uma aes grave do bolso para pagar o almoço. Teria visto a dança dos corpos nus femininos pintados de laranja em frente ao Palácio Legislativo? E os jornais, teria lido? O que pensaria o homem de infinitas encarnações sobre a interrupção da gravidez? Ao homem que ressuscita lhe importariam as diversas formas de nascer e de morrer? Para o homem que aprendeu a viver, o que significa a vida? Entre os pontos de interrogação, como entre colunas de um prédio em ruínas, vi Mort Cinder desaparecer, no meio da neblina.

domingo, 7 de outubro de 2012

SEM TRÉGUA

Bebendo cerveja e soltando fumaça, ele declarou guerra à cidade. O sítio já durava anos, os mortos eram milhares. Entre os milhões de almas restantes, nenhuma poderia despertar-lhe o interesse. E as mulheres, ah, as mulheres, cada corpo era um capítulo jamais lido da interminável história da feiura. Nenhuma curva o seduzia, nem ânfora nem bailarina, brinquedo ou crueldade. Se fora capaz de pronunciar a palavra ódio em todas as línguas, faladas e extintas, ainda não alcançaria os limites da sua ira, nascida expatriada, enforcada no cordão umbilical pendurado na fronteira. Durante o cerco, ele tomou todas as praças, chutando todos os velhos dos cafés e esmagando cada criança que encontrou pela calçada. Derrubou do cavalo e fundiu o grande general de bronze, deixando a cidade órfã. Até que um dia, ela chegou, a tempestade, surpreendendo-o no meio da estrada. Entre cabos elétricos soltos e árvores arrancadas pela raiz, viu seu coração e pulmões sendo despedaçados no ar pelo vento. Lembrou, nesse instante, da sua palavra preferida desde a infância – pa-na-pa-ná. Pensou ouvi-la quando um raio partiu sua cabeça. No dia seguinte, como se aquele estrangeiro nunca houvesse existido, a cidade, lentamente, começou a reparar os estragos causados pelo ciclone.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

PASSOS PERDIDOS

Quando? E mais importante: como a “galeria agradável do mundo” se transforma no “inferno tão temido”? Quando? E mais importante: Por que, um dia qualquer, levantamos e caminhamos sobre nossos próprios passos perdidos até nos encontrarmos desencontrados, até aparecermos desaparecidos? São eles que nos forçam a descer pelo que resta da cidade dos vivos? Montes disformes de barro, escombros do leste, ruínas de templos aos deuses mais antigos, como se fora essa a realidade e a natureza dos edifícios. Ou somos nós que partimos voluntariamente porque sabemos que a verdade é a versão mais vulgar da insinceridade?

domingo, 8 de julho de 2012

NOSSO DESTINO COMUM

Seguimos por Artigas – um grupo de companheiros improváveis em outra realidade – em direção ao monumento ao corpo desmembrado. Na cabeça dela talvez pesasse a imagem de um corpo irremediavelmente separado de seu espírito. Na mente dele quem sabe os últimos lances da política impulsiva e anárquica denunciada por Rodó em suas cartas. 1912, 2012...em que tempo habitamos? No coração dela talvez a sensação – mais uma vez! – de que aquele convite chegara às suas mãos selado por uma ameaça. Era, contudo, uma velha desconhecida. Um grupo de companheiros improváveis em realidade. As mulheres ensinavam o caminho – desde a infância – passando pelo monumento ao corpo mutilado até a chaminé cuja fumaça indicava extinção. Alcançado nosso destino comum, nos separamos e nos dispersamos pelo parque, tão inverossímeis quanto os trinta e sete tripulantes do Graf Spee reunidos ali sem poder ouvir o pastor falar do seu passado alemão, felizes por não poderem escutar o turista que visitou três campos de concentração. Nenhuma reflexão edificante em meio a prédios mal conservados. Antes uma piada: “Quando o garoto soube que iria trabalhar em Necrópolis, olhou para um amigo e perguntou: o que é isso? A cidade do Superman? Não, idiota, cemitérios”.